Recordo a atitude de Zola, em contraste com a passividade
dos nossos pensadores e da própria sociedade civil, em presença do
amontoado de mentiras que incendeiam e asfixiam a nossa existência.
J´ACCUSE!...
É bem conhecida a carta que
Emílio Zola escreveu ao Presidente da Republica de França, publicada no Aurore a 13 de Janeiro de 1898 e que este jornal titulou: (J´ACUSE!...)
Zola acusa cinco generais, as repartições de guerra e o 1º. Conselho de guerra
de apoiarem e serem cúmplices de monstruosas maquinações, urdidas por militares
que culminaram na condenação a prisão perpétua de um inocente, o capitão
Dreyfus.
Só um espírito livre, dependendo unicamente da sua consciência, prestaria
semelhante serviço à verdade, à justiça e à Pátria.
Zola sabia que do ataque
desferido às mais altas patentes militares, repartições de guerra e conselho de
guerra resultaria uma acusação, julgamento e condenação.
Assim foi. Limitou-se a
pedir: -«Que o processo se realize à luz do dia».
Desde logo foi desencadeada uma campanha de ódio contra Zola. Era urgente
acusar, julgar, condenar e prender Zola. No mês seguinte à publicação da carta
já decorria o seu julgamento. Tinha de ser rápido e impedir Zola de se defender
no que o próprio governo de França colaborou.
As arbitrariedades de todo este processo revelaram, desde logo, a supremacia
das forças armadas em questões de ordem politica o que conduziu à criação da
Liga dos Direitos do Homem, mais tarde integrada na Federação Internacional de
Direitos Humanos.
Zola foi condenado no 1º. Julgamento. No exílio, em Londres, viu confirmada e
agravada a sua condenação num 2º. Julgamento.
Entretanto, foi descoberto o falsificador que levou à condenação de Dreyfus. Confessou o crime.
Contra tudo o que seria de esperar, «O 2º. Julgamento de Dreyfus
foi ainda mais monstruoso que o 1º……….. os militares que novamente o condenaram
não poderiam ter nenhuma desculpa».
Entre 1906 e 1909, por ação
de um novo Governo e de um novo Presidente da Republica, Dreyfus foi, finalmente,
reabilitado e reintegrado no exército.
Zola faleceu em 1902, não
chegou a saborear o resultado final da sua luta.
Em 1908 a Camara decidiu: «Em merecido preito aos méritos do escritor,
mas também como reparação póstuma ao que fora condenado como difamador, quando
na realidade se batia pela justiça, foi resolvido transladar as cinzas de Zola
para o Panteão».
Zola não conhecia Dreyfus, posto ao corrente da sua inocência isso lhe bastou
para enfrentar tudo e todos, com sacrifício e grande sofrimento, em defesa da
solidariedade, da verdade, da justiça e da própria França.
Numa carta escrita à esposa de Dreyfus Zola refere: «O inocente
condenado duas vezes, fez mais pela fraternidade dos povos, pela ideia de
solidariedade de justiça, que cem anos de discussões filosóficas, de teorias
humanitárias» e acrescenta: «Somos nós, os poetas que pregamos
os culpados ao eterno pelourinho».
Decorreu mais de
um século. Bem gostaria ver assim confirmado o ideal de Zola e que o seu grito de revolta atingisse as gerações seguintes de escritores e cada um de nós.
Entretanto, os gritos de revolta que me chegam é dos pais que perderam os
filhos, na flor da vida, em praxes académicas e em exercícios militares, com
julgamentos que nada esclareceram, ficando sempre tudo na mesma.
É das mulheres vitimas de criminosos "absolvidos" em tribunal com
penas suspensas.
É das famílias que perderam os seus empregos, as suas casas e foram jogadas
para a miséria, vitimas daqueles, bem pagos para administrar e governar, o que melhor
fizeram foi saquear as empresas, destruir famílias e afundar o pais.
E não se vislumbra o fim do calvário de uma população injustiçada.
O exemplo de Zola que desce
à praça pública em defesa de um inocente, da Verdade, da Justiça e da Dignidade
das Instituições é atual, não pode ser esquecido, constitui uma referência.
Decorreu mais de um século, muito embora as situações do presente não configurem o caso Dreyfus, representam uma
falta de referências e de valores a todos os níveis, uma ausência do sentido do humano, de solidariedade, de
fraternidade e de uma passividade inqualificáveis.
É responsabilidade de
todos nós denunciar os caluniadores, obriga-los a responderem pela falcidade dos seus atos. Responsabilidade maior ainda dos intelectuais e criadores em seguirem o exemplo de Zola,
sair da zona de conforto e, sem temor, gritar bem alto a verdade e responsabilizar a justiça.
Só assim contribuiremos para
um Mundo Melhor.
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