I
PREMONIÇÃO
Em
meados do século passado, nos meios rurais distantes dos grandes centros, eram
poucas as famílias com recursos para assegurar a continuação dos estudos dos
filhos após a instrução primária.
Esta
limitação abrangia mesmo a classe média.
O médico
de Vilarinho da Castanheira, Nordeste Transmontano, internou o filho mais velho
num colégio na cidade do Porto, mas quando o filho que se lhe seguia concluiu a
instrução primária teve de alugar uma casa, no Porto, Travessa Nossa Senhora da
Conceição, pois havia que pensar na
continuação dos estudos duas raparigas mais novas.
A
esposa ficou com os filhos e ele regressou às suas atividades na aldeia.
O
mais velho continuou matriculado no Colégio Almeida Garrett como aluno externo,
o mais novo frequentou o 1º.ano da Escola Comercial Raul Dória, na Rua Gonçalo
Cristóvão e a Escola Comercial Oliveira Martins na Rua do Sol nos anos
seguintes. As irmãs a Escola Primária mais próxima.
A
vida solitária do médico na aldeia durou poucos anos.
Adoeceu
gravemente e a esposa teve de regressar para cuidar dele.
A
partir daí as filhas ficaram numa pensão e os filhos noutra. As preocupações
aumentaram e as despesas também.
O
mais velho, bom aluno até aos primeiros anos de Medicina, novas convivências -
particularmente femininas - originaram resultados cada vez mais fracos.
Para o Luís aulas, disciplinas, estudar sempre foi uma
grande "seca", chegava mesmo a não comprar os livros de algumas
disciplinas.
Com frequência substituía as aulas pelo bilhar, passeio, Biblioteca
Municipal no Jardim de S. Lazaro e também pelas livrarias.
As
irmãs eram também diferentes uma da outra. A mais nova identificava-se com o
irmão mais velho, a mais velha era mais próxima do irmão mais novo, embora
distante dos seus excessos.
Certa
manhã, o médico acordou mais cedo que o habitual, ainda de noite. Teve um grande
sobressalto e não resistiu a acordar a mulher para lhe dar conta do mesmo:
-Aconteceu
coisa grave ao Zito.
A
mulher retorquiu:
- Ó
homem, dorme, andas tão preocupado com eles e nem descansas...
Mas
ele insistiu:
- Tive
um pressentimento... O Zito está mal. Temos que telefonar.
O
telefonema confirmou que o Zito estava realmente bastante mal.
Tudo
começou com uma grande constipação, muita tosse, temperatura muito alta, acabando
por jorrar sangue ao tossir.
Havia
tuberculizado anos antes, tratava-se de uma recaída.
Muito descanso, bem medicado, recuperou.
Um
conjunto de bons amigos visitavam-no diariamente e mais que uma vez por dia. Todos
o ajudaram imenso das mais diversas formas.
Um
lera-lhe O Tempo e o Vento, de Eurico Veríssimo, centenas de páginas. Era um criativo,
destacou-se como empresário de sucesso.
Outro
declamava-lhe poesia, destacou-se como ator e encenador largamente premiado. Foi
um dos fundadores da Companhia de Teatro Seiva Trupe, Juntamente com dois
amigos do mundo artístico.
Outro,
trabalhava e estudava, era de todos o mais organizado e atilado, constituiu uma
Sociedade de Revisores Oficiais de Contas.
Outro,
embora proibido pela mãe por natural receio de contágio - a tuberculose é
altamente contagiosa - mesmo assim, ali estava também todos os dias, sempre com
uma boa disposição contagiante.
Muitos
outros, colegas e amigos, por ali passaram aliviando o seu sofrimento.
O pai
foi nessa manhã para o Porto e nesse mesmo dia internou-o no Sanatório
Rodrigues Semide.
O contributo
do Sr. Fleming com a descoberta da penicilina e de todos aqueles que em
condições adversas se entregaram à investigação de outros produtos, foram
decisivos para vencer uma doença, até então, mortal.
A
mesma que vitimou os pais da mãe do Luís, deixando-a órfã aos 3 anos.
Apesar
de ser mais complicado desta vez, o Luís melhorou bastante.
Chegada
a primavera foi para aldeia onde tinha boa alimentação e bons ares.
Só
precisava descansar. Com a ajuda da medicação, teria tudo para recuperar.
Naquela
terra nada acontecia e sossego não era com ele. Ouvia rádio, lia e passeava a
cavalo, por vezes de forma desabrida, numa belíssima égua.
Sem se
saber porquê a tosse regressou subitamente, acompanhada das hemoptises.
Teve
de vir um especialista do Caramulo, numa noite de tempestade, por estradas
intransitáveis, para o submeter a um pneumotórax (consiste em insuflar ar entre
a pleura e o pulmão, comprimindo assim este órgão).
O
objetivo de tal compressão é fechar o vaso doente e assim suster o derrame de
sangue.
O
médico, com uma estranha boa disposição, atendendo ás circunstâncias, não deixou
de avisar que aquele tratamento era muito arriscado. Aconselhou o seu internamento no sanatório, mal recuperasse forças para a viagem.
Entretanto,
perguntou por presunto, champanhe, pão e queijo…. Comeu, bebeu e convidou o seu
doente a fazer o mesmo. Nada lhe faria melhor que um bom presunto e uma boa
“pinga”, dizia.
No
dia seguinte as hemoptises regressaram com mais violência. O médico foi de novo
chamado e não havendo outra forma de estancar o sangue, jorrava sempre que
tossia, antes de repetir o tratamento da véspera, único possível, avisou o
colega que o mesmo tanto podia ajudar, como matar o rapaz. Era urgente leva-lo
para o Sanatório, o que teve lugar no dia seguinte.
Seguiram
de táxi para a Estação do Tua e de comboio para S. Bento - embora não fosse
permitido viajar de comboio naquelas condições - para dar de novo entrada no Sanatório
Rodrigues Semide.
Não
havia medicamentos que atenuassem a tosse nem hemostáticos que contivessem um
fio de sangue teimava em escorrer pelo canto da boca.
Passou
a ser alimentado com soro, frequentes transfusões de sangue e a respirar com ajuda
de oxigénio.
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