segunda-feira, 1 de junho de 2020

HOMENAGEM AO MÉDICO, «MESTERES», ARTESÃOS E AO POVO DE VILARINHO DA CASTANHEIRA


Reposição (atualizada) de memórias, resultante de um inadvertido apagão de 5 anos de publicações neste blog »


Completa hoje 82 anos a assinatura do Contrato entre a Casa do Povo de Vilarinho da Castanheira
e o médico Belarmino Augusto Cordeiro


Belarmino Augusto Cordeiro, (Vilarinho da Castanheira, 24.10.1904, Senhora da Hora, 24.11.1995) casado com Maria de Lurdes Puga de Assis Cordeiro, (Lagares do Douro, 16.03.1914, Senhora da Hora, 17.07.2019), pai de quatro filhos, licenciado em medicina em outubro de 1936, pela Faculdade de Medicina do Porto, registado em Carrazeda de Anciães em outubro de 1937, para o exercício de clinica em Vilarinho da Castanheira.

Em 1 de junho de 1938 assinou um contrato na qualidade de médico da Casa do Povo de Vilarinho da Castanheira, sendo o mesmo outorgado pelo Presidente da Direção: Guilhermino Augusto Mesquita e pelo Presidente da Assembleia Geral: Albano Júlio Barbosa.

O referido contrato obriga o clinico ao atendimento dos sócios do Fundo de Assistência e Caixa de Previdência no consultório da Casa do Povo, bem como à visita nos seus domicílios quando impossibilitados de se deslocaram à Casa do Povo.
Obriga ainda ao atendimento, em qualquer dia e a qualquer hora, a todos os que urgentemente precisassem dos seus serviços clínicos, abrangendo os residentes da povoação de Pinhal do Douro (anexa da freguesia).

A Casa do Povo obriga-se a remunerar o médico com a quantia de 200$00 (duzentos escudos) mensais e a pagar-lhe mais (um escudo) por quilómetro quando em serviço clinico aos sócios residentes em Pinhal do Douro.

Merece destaque a iniciativa dos responsáveis da Casa do Povo, pelos serviços que prestaram aos seus conterrâneos, disponibilizando-lhes, em meados do século passado, um atendimento clínico que o atual Serviço Nacional de Saúde não estende a todo o país.

Não há conhecimento de em Vilarinho da Castanheira ter residido outro médico em serviço, pelo que é de crer ter sido o único.

Ali exerceu durante uns 30 anos, abrangendo não só o Pinhal do Douro como outras povoações, designadamente Coleja, Mourão, Seixo, Fonte Longa e Cabeça Boa.

Tinha ainda "avenças" como médico das Quintas do Lubazim e dos Ingleses, junto ao Rio Douro.

Algumas destas povoações e lugares não tinham estradas. O acesso era feito a pé ou a cavalo. Nunca teve viatura própria.

O seu êxito na realização de partos granjeou-lhe fama na região, alargando nesta especialidade a sua atividade a outras povoações e a outros Concelhos.

Uma nova geração de nascituros viu a luz do dia com a sua ajuda em toda esta grande zona.

Foi um grande entusiasta da banda de música. Mobilizou conterrâneos mais favorecidos para renovação dos instrumentos, designadamente Carlos Pinto Cordeiro, um dos grandes armazenistas da Rua Mouzinho da Silveira no Porto.

Assistia com regularidade aos ensaios na Rua da Cadeia. Embora fossem à noite, com frequência levava com ele os filhos de tenra idade.
Também a esposa, residente em Matozinhos – Porto até ao casamento, com sólida formação cultural, contribuiu para animar as Festas e a  vida da aldeia, mediante a encenação de peças infantis, com cânticos,  danças e diversas atividades ao nível da Paróquia que entusiasmavam as crianças e que os adultos apreciavam.

As Feiras tiveram grande incremento. Das aldeias vizinhas aproveitavam a consulta ao médico para movimentar todo o comércio local. Justificou mesmo a instalação de uma farmácia na Vila.

As adversidades, como a perca do estatuto de Concelho, a pobreza, o subdesenvolvimento, nada impediu que Vilarinho registasse uma animação e uma vida urbana como não há memória! (embora a sua história se perca no tempo….)

Não podem assim cair no esquecimento quantos com o seu empreendorismo, a sua arte e a resistência perante as dificuldades, contribuíram para o crescimento e a autossuficiência conquistada.
Decorrido mais de meio século não nos recordaremos de todos; que tal não nos impeça de evocar os que temos em memória.
Foram, assim, os «mesteres» artesãos:
O latoeiro, Fernando, do Largo de Stº. António;
Os sapateiros, Alfredo, Luís e António “Ferrugem” do Largo da Sª. do Rosário;
O soqueiro, António;
O moleiro do Moinho da Ribeira das Tábuas;
As forneiras, Adelaide e Lídia Batista;
O cesteiro, Sebastião,
A tecedeira, Olívia;
Os alfaiates, Abílio e Artur da Rua da Cadeia;
O carpinteiro, com nome pomposo Chamberlain, também na Rua da Cadeia;
Bem como barbeiros, Belarmino, Aníbal e João Grande.
Os empresários da moagem,  Acúrcio e José Barbosa
Os Comerciantes Américo Moras e Guilhermino Mesquita, com estabelecimentos de grande porte, onde se encontrava de tudo, dos alfinetes aos caixões.
Os agricultores que arrancavam dum solo pobre toda a riqueza possível.
Os trabalhadores anónimos, com redobrados sacrifícios, mal pagos, em jeiras de «sol-a-sol”.

Ninguém se deixou vencer com a retirada a Vilarinho do estatuto de Conselho para o entregar a Carrazeda.

Acresce, porém, que a esta adversidade se juntaram ventos mais fortes a varrerem todo o Nordeste Transmontano.

Obrigaram à emigração em massa.

O médico não resistiu e a Farmácia fechou.

A Feira de Vilarinho com mais de cem anos de crescente atividade foi extinta.

Os «mesteres» artesãos, mesmo os mais resistentes, foram desaparecendo.

A população decresceu, continuamente.

Nada ficou como dantes.

«Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz-
Ter por vida a sepultura.»
(Fernando Pessoa)

Toda uma geração que dedicou os melhores anos das suas vidas ao serviço dos seus conterrâneos, melhorou as condições de vida da sua gente e favoreceu o desenvolvimento da sua terra, faz parte da memória de Vilarinho da Castanheira, não pode ser esquecida.

Para que a história ancestral de Vilarinho da Castanheira incuta um crescente motivo de orgulho é imperativo que todos os seus naturais se revejam nas memórias a transmitir as gerações futuras, com a nobeza que marca a identidade da nossa aldeia.