sábado, 10 de junho de 2017

MEMÓRIAS DE UM SOBREVIVENTE - A sentença de Morte - II - Casos da Vida Real vividos


II
A SENTENÇA DE MORTE
  Estranhamente, pensava, sentia e ouvia melhor que nunca.
Uma das mãos esquecida durante dias sobre uma coxa ficou como cortiça por ação da transpiração. A outra mão, que a Mãe segurava junto ao seu rosto, ficou igualmente como cortiça das lágrimas que sobre ela derramava noite e dia.
Acrescia o sofrimento indescritível das chagas nas costas, nádegas e nos calcanhares que permaneciam dias a fio na mesma posição.
Certa manhã ouviu de uma das enfermeiras: - «Olha como tem os calcanhares em ferida, vou pôr-lhe aqui uma almofada». Ao colocar-lhe a almofada sob as pernas de forma a elevar-lhe os calcanhares acima do colchão ela não sonhou que os havia retirado de cima de um braseiro.
As nádegas e as costas que estavam em idênticas condições, assim continuaram.
Aguardava, diariamente, a hora da visita do irmão.
Recordava os primeiros dias de internamento em que, para o animar, trazia-lhe, uma após outra, as suas melhores gravatas.
Certo dia, deixando fugir a boca para a verdade, comentou:
- Afinal, estás cada vez pior! Não queres ver-te ao espelho?
 Enquanto procurava no quarto um espelho para que o irmão pudesse confirmar o estado cadavérico em que se encontrava a Mãe interrompe-o:- Estas doido! Pára já com isso.
Era precisamente a chegada do irmão que mais esperava. As irmãs, mais novas, estavam proibidas de o visitar em face do elevado grau de contágio. .
As circunstâncias em que se encontrava deixavam quem o visitava sem palavras.
Quando em Vilarinho, estendido numa cadeira de repouso na varanda, lhe perguntavam: - Está melhorzinho?
- Sim, melhorzinho, muito obrigado.
Não acreditavam… e retorquiam:
- Antes estivesse, antes estivesse, menino!!!
Tudo apontava para o irmão ver todas as suas gravatas de volta… e a breve trecho….
Ao olhar para traz assaltavam-no a crueldade das memórias e a selvajaria das brincadeiras.
Desde tenra idade que não se atemorizava com rafeiro que lhe ladrasse ás pernas, nem se detinha a pensar quais as verdadeiras intenções do bicho para correr com ele à pedrada.
Um apurado "sentido do humano" acolhia as rivalidades com estimação.
O próprio médico foi objeto de uma espera, sempre feitas em sítios escondidos. Embora bastante esmurrado, regressou a casa.
Um caso amplamente falado na aldeia, não teve o mesmo desfecho.
O agressor saiu de sua casa empunhando uma caçadeira, fez a espera num ermo, dois balázios certeiros, caçadeira ao ombro e regresso a casa.
Como não havia testemunhas, nada aconteceu, para além dos sinos a dobrar e do enterro no dia seguinte.
A civilização demorou a chegar ao longínquo Nordeste Transmontano.
O pai, enervado com a presença do gato no consultório resmungou para consigo:
- Pagava a quem matasse este gato.
O Zito não teria mais que dois, três anos. Ouviu... Registou bem a proposta… Bichaninho… Bichaninho…Cumpriu… e para seu espanto o resultado foi desastroso!
Não havia sensibilidade para a morte dos animais.
Quanto a brincadeiras, bastava atirar um punhado de pedritas ao ar junto dos perus. Logo que uma delas, na queda, atingia a cabeça de um deles, perdia de imediato todo o equilíbrio e acabava, nesse mesmo dia, na panela.
Passando das pedritas para as pedras de certo peso, jogar á pedrada era a brincadeira após as aulas e o jogo só acabava com uma cabeça rachada. Tinham o privilégio de tratamentos gratuitos.
É certo que o meio não ajudava.
As criancinhas não eram imunes à moldura dos comportamentos exteriores ao meio familiar.
Tão pouco viviam numa redoma, protegidas de qualquer contaminação.
Pelo contrário, mantinham relações com todos, gozavam de uma liberdade total e real.
A chegada das realidades virtuais, das "Redes Sociais", vieram  limitar as relações pessoais e aprisionaram jovens e adultos a écrans digitais.

Ressalta, em qualquer dos casos, ausência de Deus.
O caso da "Santa de Vilar Chão” é exemplar.

Muito pequeno foi com os Pais ver a "Santa" .
Autênticas romarias de todos os cantos do país e não só, afluíam a Vilar Chão com o mesmo fim.
Achou-a muito branca e muito magra e ouviu o Pai dizer a um colega:
- Aquela cruz que tem nas costas da mão não tem nada de natural, é uma ferida provocada, tem os tecidos macerados. Estão a sacrificar a pobre rapariga.
Não decorreu muito tempo para se espalhar a notícia de que o padre da terra, o médico e familiares procuraram “fabricar” uma “santa” para chamar gente ao lugar.
Este caso não ajudou os que defendiam as aparições em Fátima.
Neste caso foram os adultos a por em causa os relatos dos Pastorinhos, ao ponto de também os sacrificarem, pela forma como os procuraram desacreditar.
A verdade é que as crianças resistiram e defenderam os relatos das suas visões até à morte.
Uma coisa é não compreendermos, não acreditarmos, não termos fé.
Outra, muito diferente, é o respeito que devemos aos que acreditam e quem têm fé.
Despertava agora para a sua tomada de consciência.
Nunca descera ao seu interior, nunca procurou saber se tinha controlo sobre a sua vida, sobre o seu pensamento, sobre os seus sentimentos, sobre o valor que todo este conhecimento interior teria na sua conduta, na sua consciência.
Era chegada a hora de empreender essa viagem de peregrino ao seu mundo interior, de virar a página das preocupações mesquinhas de todos os dias, dos meros pesares de criancinha que sofre porque nada controlam.
Na medida em que a medicação não atuava e a tuberculose galopante o minava o Pai e o médico assistente convocaram o melhor especialista pulmonar do Porto para uma melhor avaliação do quadro clínico.
Sentia ter chegado a hora da verdade.
Qualquer que fosse o resultado, tinha de controlar as emoções e manter-se sereno.
Depois de um exame demorado das radiografias, análises clínicas e de todos os elementos disponíveis, o especialista concluiu:
-Nada podemos fazer pelo rapaz. O Dr. leve o seu filho para casa. Em casa terá uma morte mais descansada.
O pai, alarmado, não hesitou na resposta:
-Morte descansada tem ele aqui. Se o tiro da cama e o ponho numa maca mato-o.
Todos concordaram.
Concordaram também parar com toda a medicação uma vez que estavam a sacrificá-lo inutilmente.
Era a confirmação da sentença de morte.



Vista da Capela Nossa Senhora da Fé 
Segue:
III
A HORA DA VERDADE

quarta-feira, 7 de junho de 2017

MEMORIAS DE UM SOBREVIVENTE - Premonição - I - Casos da Vida Real vividos

 -


I

PREMONIÇÃO

Em meados do século passado, nos meios rurais distantes dos grandes centros, eram poucas as famílias com recursos para assegurar a continuação dos estudos dos filhos após a instrução primária.
Esta limitação abrangia mesmo a classe média.
O médico de Vilarinho da Castanheira, Nordeste Transmontano, internou o filho mais velho num colégio na cidade do Porto, mas quando o filho que se lhe seguia concluiu a instrução primária teve de alugar uma casa, no Porto, Travessa Nossa Senhora da Conceição, pois havia que pensar  na continuação dos estudos duas raparigas mais novas.
A esposa ficou com os filhos e ele regressou às suas atividades na aldeia.
O mais velho continuou matriculado no Colégio Almeida Garrett como aluno externo, o mais novo frequentou o 1º.ano da Escola Comercial Raul Dória, na Rua Gonçalo Cristóvão e a Escola Comercial Oliveira Martins na Rua do Sol nos anos seguintes. As irmãs a Escola Primária mais próxima.
A vida solitária do médico na aldeia durou poucos anos.
Adoeceu gravemente e a esposa teve de regressar para cuidar dele.
A partir daí as filhas ficaram numa pensão e os filhos noutra. As preocupações aumentaram e as despesas também.
O mais velho, bom aluno até aos primeiros anos de Medicina, novas convivências - particularmente femininas - originaram resultados cada vez mais fracos.
Para o Luís aulas, disciplinas, estudar sempre foi uma grande "seca", chegava mesmo a não comprar os livros de algumas disciplinas.
Com frequência substituía as aulas pelo bilhar, passeio, Biblioteca Municipal no Jardim de S. Lazaro e também pelas livrarias.
As irmãs eram também diferentes uma da outra. A mais nova identificava-se com o irmão mais velho, a mais velha era mais próxima do irmão mais novo, embora distante dos seus excessos.
Certa manhã, o médico acordou mais cedo que o habitual, ainda de noite. Teve um grande sobressalto e não resistiu a acordar a mulher para lhe dar conta do mesmo:
-Aconteceu coisa grave ao Zito.
A mulher retorquiu:
- Ó homem, dorme, andas tão preocupado com eles e nem descansas...
Mas ele insistiu:
- Tive um pressentimento... O Zito está mal. Temos que telefonar.
O telefonema confirmou que o Zito estava realmente bastante mal.
Tudo começou com uma grande constipação, muita tosse, temperatura muito alta, acabando por jorrar sangue ao tossir.
Havia tuberculizado anos antes, tratava-se de uma recaída.
 Muito descanso, bem medicado, recuperou.
Um conjunto de bons amigos visitavam-no diariamente e mais que uma vez por dia. Todos o ajudaram imenso das mais diversas formas.
Um lera-lhe O Tempo e o Vento, de Eurico Veríssimo, centenas de páginas. Era um criativo, destacou-se como empresário de sucesso.
Outro declamava-lhe poesia, destacou-se como ator e encenador largamente premiado. Foi um dos fundadores da Companhia de Teatro Seiva Trupe, Juntamente com dois amigos do mundo artístico.
Outro, trabalhava e estudava, era de todos o mais organizado e atilado, constituiu uma Sociedade de Revisores Oficiais de Contas.
Outro, embora proibido pela mãe por natural receio de contágio - a tuberculose é altamente contagiosa - mesmo assim, ali estava também todos os dias, sempre com uma boa disposição contagiante.
Muitos outros, colegas e amigos, por ali passaram aliviando o seu sofrimento.
O pai foi nessa manhã para o Porto e nesse mesmo dia internou-o no Sanatório Rodrigues Semide.
O contributo do Sr. Fleming com a descoberta da penicilina e de todos aqueles que em condições adversas se entregaram à investigação de outros produtos, foram decisivos para vencer uma doença, até então, mortal.
A mesma que vitimou os pais da mãe do Luís, deixando-a órfã aos 3 anos.
Apesar de ser mais complicado desta vez, o Luís melhorou bastante.
Chegada a primavera foi para aldeia onde tinha boa alimentação e bons ares.
Só precisava descansar. Com a ajuda da medicação, teria tudo para recuperar.
Naquela terra nada acontecia e sossego não era com ele. Ouvia rádio, lia e passeava a cavalo, por vezes de forma desabrida, numa belíssima égua.
Sem se saber porquê a tosse regressou subitamente, acompanhada das hemoptises.
Teve de vir um especialista do Caramulo, numa noite de tempestade, por estradas intransitáveis, para o submeter a um pneumotórax (consiste em insuflar ar entre a pleura e o pulmão, comprimindo assim este órgão).
O objetivo de tal compressão é fechar o vaso doente e assim suster o derrame de sangue.
O médico, com uma estranha boa disposição, atendendo ás circunstâncias, não deixou de avisar que aquele tratamento era muito arriscado. Aconselhou o seu internamento no sanatório, mal recuperasse forças para a viagem.
Entretanto, perguntou por presunto, champanhe, pão e queijo…. Comeu, bebeu e convidou o seu doente a fazer o mesmo. Nada lhe faria melhor que um bom presunto e uma boa “pinga”, dizia.
No dia seguinte as hemoptises regressaram com mais violência. O médico foi de novo chamado e não havendo outra forma de estancar o sangue, jorrava sempre que tossia, antes de repetir o tratamento da véspera, único possível, avisou o colega que o mesmo tanto podia ajudar, como matar o rapaz. Era urgente leva-lo para o Sanatório, o que teve lugar no dia seguinte.
Seguiram de táxi para a Estação do Tua e de comboio para S. Bento - embora não fosse permitido viajar de comboio naquelas condições - para dar de novo entrada no Sanatório Rodrigues Semide.
Não havia medicamentos que atenuassem a tosse nem hemostáticos que contivessem um fio de sangue teimava em escorrer pelo canto da boca.
Passou a ser alimentado com soro, frequentes transfusões de sangue e a respirar com ajuda de oxigénio.
Lentamente, foi perdendo a fala, a visão, os movimentos e deixando de se alimentar.
O dedo com que, num alfabeto, indicava aquilo que pretendia acabou por ficar imóvel.
 Lúcido, perdeu toda a ação, sentiu a morte apoderar-se rapidamente de todos os seus órgãos.
Segue:

II

A SENTENÇA DE MORTE 



sábado, 13 de maio de 2017

Número de contribuinte da Seiva Trupe – 501 056 882 –

0,5% do IRS para a CULTURA
Ao longo de 44 anos de existência debatemo-nos para servir uma audiência sempre com inteligência criativa ao serviço da cultura para dar mais sentido e beleza às suas vidas. Assim, lembramos-lhe que poderá contribuir para aprimorar o n/ trabalho.
Sem o mínimo custo para V. Exa., quando preencher o IRS, p.f. lembre-se de indicar o número de contribuinte da Seiva Trupe – 501 056 882 – no quadro 11 da Folha do Rosto 3 da sua declaração.
O espectáculo, após o término das temporadas, na Casa das Artes do Porto, seguiu em itinerância. Assim, informamos que o próximo espectáculo realizar-se-à no próximo dia 20 do corrente, em Lordelo Paredes Se estiver nos arredores, não perca a oportunidade de assistir a um casting com 3 palhaços que rivalizam por um pequeno trabalho - na espera vão revisitando fragmentos das suas vidas, tentando mostrar uns aos outros que ainda têm tanto ou mais talento que nos seus tempos dourados.

Momentos dramáticos e humorísticos numa realidade absolutamente patética.



PRÓXIMO ESPECTÁCULO

O Sr. IBRAIM
E As Flores do Alcorão
de Eric-Emmanuel Schmit
    c/ direcção de Júlio Cardoso
Aquilo que dás é teu para sempre
o que guardas, perde-se para sempre

Texto e fotos: Seiva Trupe

terça-feira, 7 de março de 2017

Vá ao Teatro Diogo Bernardes, em Ponte de Lima ver “Pequeno Trabalho Para Velho Palhaço”


No dia 10 de Março, pelas 22h00, a Seiva Trupe apresenta no Teatro Diogo Bernardes, em Ponte de Lima, a peça de teatro:

“Pequeno Trabalho Para Velho Palhaço”, de Matéi Visniec.

Sinopse:
 
Três palhaços velhos, que respondem a um pequeno anúncio de jornal, (talvez submetidos) a um casting derradeiro encontram-se para revisitar fragmentos das suas vidas, mas é a morte que paira sobre este universo circense que já não existe, que se dilui como o sabor açucarado de uma pastilha elástica nas bocas de espectadores aborrecidos…
É neste sentido que cada um vai recordando factos e trabalhos, com a permanente preocupação de mostrarem que ainda têm tanto ou mais talento que naqueles tempos dourados. Neste espaço de espera vão emergindo episódios dramáticos e humorísticos numa realidade absolutamente patética.



Ficha Artística | Técnica:
Autor | Matéi Visniec
Tradutor | Regina Guimarães
Desenho de Luz | Júlio Filipe
Encenação| Roberto Merino
Assistente de Encenação | Teresa Vieira
Fotografia | António Alves
Interpretação     |  Fernando Soares
                           José Cruz
                           Mário Moutinho
                           Luís Ribeiro
                           Manuel Vieira
Operação de Luz e Som | Filipe Cardu
Classificação Etária: M/12
Realização: SEIVA TRUP

Texto e fotos: Seiva Trup


 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

UMA PRAÇA EM CADA BAIRRO


Mário Cesariny

Francisco Lyon de Castro
Adriano Correia de Oliveira

Felicito a Associação de Moradores da Praça de Entre Campos pela homenagem prestada a grandes artistas contemporâneos através da arte urbana representada nos grafitis.






APAGÃO



Inadvertidamente apaguei 5 anos de publicações com centenas de fotografias sem possibilidade de recuperação